O serviço de vinho a copo é fundamental, pois permite a democratização do consumo.

Francisco Gonçalves 280

Francisco Gonçalves, enólogo, natural de Montalegre,sempre quis trabalhar em algo que lhe permitisse estar em contacto com a natureza. Sempre gostou do campo e sempre se interessou pela agricultura.

Já vem do tempo dos seus avós, e um pouco por influência do seu pai, a curiosidade de mexer com a uva e o mosto, quando eram feitas as lagaradas na aldeia, e se interessava por tudo o que estava associado ao mundo do vinho.

Foi alimentando a curiosidade com alguma pesquisa amadora até surgir a oportunidade de frequentar o curso de Enologia, em Vila Real.

Qual o seu percurso profissional?
Quando terminei a Universidade fui trabalhar para a Adega Cooperativa de Alijó como Enólogo. Um ano mais tarde, fui convidado para integrar a equipa de enologia da Empresa A.A Cálem & Filhos S.A., na qual assumi a responsabilidade de abraçar o projeto de vinhos de mesa.

Com a aquisição da empresa J.W Burmester e, posteriormente, a Kopke e a Barros e Almeida pela A.A Cálem, assumi a Direcção do Departamento de Viticultura e de Enologia Vinhos DOC.

Durante esse período, fui responsável pela Enologia do Grupo Vinum Terrae, em Espanha, com vinha e adega nas Rias Baixas (Albarino) e Ribeira del Duero, juntamente com o projeto D+D.

Atualmente, sou o Enólogo da Casa S. Matias (Dão) e acabo de lançar uma marca própria – Mont’Alegre, em Trás-os-Montes.

Quais foram os seus maiores desafios?
Foi um enorme desafio iniciar o projeto de vinhos tranquilos ou vinhos DOC numa empresa que, tradicionalmente, se dedicava à produção de Vinhos do Porto e que detinha marcas tão maduras e fortes no mercado por oposição à ausência de tradição no tipo de vinhos a que me dediquei.

Criar uma estrutura de produção específica para estes vinhos (adega e equipa), reestruturar vinhas com esta finalidade, criar novos vinhos com novos perfis, perseguir o objetivo da consistência na qualidade e, posteriormente, ver o crescimento das marcas no mercado foi muito gratificante.

Outro dos meus grandes desafios foi, sem dúvida, assumir a Enologia do Grupo Vinum Terrae, em Espanha, e fazer nascer novos vinhos – quer na zona das Rias Baixas, quer em Ribeira del Duero – que despertassem interesse e boas críticas junto dos opinion makers e, obviamente, dos consumidores.

O que acha mais relevante na evolução do Mercado dos vinhos?
A adesão à União Europeia permitiu a este sector o investimento em novas tecnologias e a melhoria da estrutura agrícola, o que possibilitou também uma grande evolução na qualidade e na consistência dos vinhos portugueses.

A nova geração de enólogos, mais viajados, também contribuiu muito para novas experiências em projetos maduros, para o aparecimento de novas abordagens e, sem dúvida, para a evolução qualitativa dos vinhos portugueses.

O que pensa do serviço de vinhos nos restaurantes?
Nos últimos anos, os restaurantes investiram em formação e os próprios funcionários passaram a interessar-se mais pelas boas práticas do sector. É verdade que o serviço de vinhos melhorou muito, mas ainda terá que evoluir mais, pois os restaurantes têm que encarar o vinho como parte integrante do serviço e da riqueza associada à nossa gastronomia. Há uma complementaridade que não pode ser descurada. O vinho tem que ter um papel forte e cuidado em harmonizações que valorizem a gastronomia tradicional portuguesa e, naturalmente, os vinhos portugueses.

Qual a sua opinião sobre o serviço de vinho a copo?
O serviço de vinho a copo é fundamental, pois permite a democratização do consumo. Os consumidores têm à disposição mais opções e podem enriquecer o seu conhecimento na área dos vinhos, experimentando uma maior diversidade de marcas e a um custo mais acessível.

Qual foi o vinho mais surpreendente que teve oportunidade de provar?
Referir uma marca de um vinho poderá ser um pouco redutor.

Mais do que surpreender-me com uma marca, provavelmente, acabo por me deixar impressionar por castas, ou seja, provar vinhos a partir de castas como Touriga Nacional, Alvarinho ou Pinot é mais interessante e permite sensações mais amplas do que reduzir as escolhas a uma marca específica ou a uma colheita.

O desafio está no resultado que se alcança com a mesma casta em diferentes abordagens, o que significa que posso deparar-me com três vinhos distintos que me surpreendem por comparação

Qual a experiência em restaurante que melhor o impressionou?
Sou um grande apreciador de boa gastronomia – até pela sorte que tive em crescer em Montalegre, terra de fumeiro e de paladares fortes. Adoro comer e adoro experimentar coisas novas, sabores diferentes e arriscar harmonizações.

Em Portugal, é quase impossível chegar a uma terra onde não se possa encontrar um local com boa comida. É uma das nossas maiores riquezas e confesso-me um admirador da gastronomia tradicional.

Para falar de uma experiência realmente distinta – até pela diferença notória de ingredientes e de temperos – posso referir o restaurante D.O.M., em São Paulo, que tive oportunidade de experimentar há uns anos e que, sem dúvida, me marcou.

O que acha da penetração dos vinhos Portugueses no Mercado mundial?
Os vinhos portugueses têm excelente qualidade e consistência. O facto de termos um património vitícola excecional contribui em grande parte para a aceitação dos nosso vinhos noutros Países, mas é importante salientar o esforço que tem sido feito pelas Comissões de Viticultura, pela Viniportugal, pelos distribuidores e pelas próprias marcas para proporcionarem provas e experiências marcantes a outros públicos com diferentes hábitos.

Portugal tem arriscado e tem vencido noutros mercados como o Brasil, os Estados Unidos, Canadá e um pouco por toda a Europa por influência de três fatores fundamentais: qualidade, diferenciação e persistência dos players do mercado do vinho.

Tudo isto faz com os vinhos Portugueses estejam a ganhar notoriedade e a despertar curiosidade. Obviamente que a quantidade de prémios internacionais que os vinhos portugueses têm angariado também contribui para um posicionamento específico junto dos consumidores e para a natural promoção das marcas. As exportações têm vindo a aumentar, assim como as atenções portuguesas junto desses mercados, e é exatamente isso que faz a diferença.

por Mário Rodrigues