É com tristeza que verifico, ainda no epicentro de toda a austeridade e dificuldades a que Portugal e a sua sociedade está sujeita, que continuamos a cometer os mesmos erros que nos trouxeram até aqui, sendo um exemplo a destruição do Vale do Tua
A construção em curso da barragem do Tua, uma PPP entre estado Português (governo Sócrates) com a EDP, é um projecto que não deveria ter lugar no Portugal de hoje: o mérito económico e social é miserável e o impacto ambiental enorme. Começando pelo último, julgo ser óbvio que a beleza deste vale nunca mais será a mesma com construção do enorme paredão de betão e o desaparecimento do ecossistema ribeirinho selvagem que caracteriza o Vale do Tua.
O que para uns é um lindo espelho de água para outros, como eu, é um sítio sem vida com água parada e todos os problemas que dai decorrem, incluindo o desaparecimento das actividades possíveis num rio e o respectivo benefício para a região. Conheço bem estes problemas pois na herdade do Esporão existe uma barragem com 120 ha, essencial para regar as nossas culturas, e conheço o desafio que é manter a água com a qualidade necessária e com mínimo impacto no ecossistema envolvente.
Voltando ao Tua, a futura barragem hipotecará irremediavelmente a utilização da famosa linha de comboio do Tua, infraestrutura única em Portugal e de beleza rara. Mais isolamento das populações e menos um activo para a afirmação do Douro como região de interesse turístico mundial.
Relativamente ao mérito económico do projecto, o que aprendi é que, no final, o custo do kWh de electricidade desta barragem vai ser sensivelmente o dobro do que estamos agora a pagar, o que significa que continuaremos a fazer crescer o preço da electricidade e/ou o já enorme défice tarifário que o Estado (nós, portanto) teremos que pagar aos concessionários destes projectos. Só à EDP, e a quem a EDP vendeu estes créditos, devemos perto de 5.000 milhões de euros. Só por si, barragem do Tua deverá aumentar o custo da electricidade em 2%.
Dizem os especialistas que a forma mais barata de optimizar o sistema energético seria investir em eficiência energética e reforçar a potência instalada em algumas das barragens existentes.
Um argumento frequente dos que apoiam a construção das barragens (normalmente os concessionários) é a necessidade de reforçar a produção de energia e baixar a sua importação. Ora a barragem do Tua vai produzir o equivalente a 0,5% da electricidade, ou 0,1% da energia de Portugal. Por outro lado, as metas que tínhamos definido para a poupança de energia em 2016 já foram atingidas, ainda antes da crise com melhorias de eficiência no consumo. As metas oficiais do Programa Nacional de Barragens também já foram ultrapassadas.
A barragem quando estiver pronta vai dar emprego a pouquíssimas pessoas.
Deveria este assunto ter sido debatido mais cedo? Sem dúvida. Assumo a responsabilidade de, como cidadão e administrador de uma empresa da região (Esporão – Quinta dos Murças), não me ter envolvido em tempo oportuno para que este projecto não avançasse. Mas acredito que ainda vou a tempo, nem que seja para que o mau exemplo do Tua sirva para abrir uma discussão de fundo sobre o “Programa Nacional de Barragens”, as PPP, a (in)compatibilidade da vocação agrícola e turística de regiões como o Douro com a produção hidroeléctrica massiva.
Para os que quiserem lutar por esta causa deixo o desafio divulgarem o site www.salvarotua.org e manifestarem-se contra este projecto exercendo o vosso poder como consumidores e cidadãos.
por João Roquette
João Roquette
Em 2005 João Roquette iniciou funções no Esporão, empresa de vinhos e azeites fundada pelo seu Pai em 1973. Participou em vários projectos internos em colaboração directa com a equipa financeira. No âmbito do conselho de administração promoveu um plano estratégico de 5 anos, propondo uma nova visão para a empresa. Em 2007 assume as funções de administrador delegado, função que desempenha actualmente.
Acumula a liderança executiva do Grupo Esporão com as funções de administrador não executivo da holding familiar JHR, SGPS, administrador da distribuidora PrimeDrinks, vice-presidente da Viniportugal, director da associação do comércio de bebidas alcoólicas (ACIBEV) e membro do conselho geral da comissão vitivinícola regional alentejana (CVRA). Agora, a meu convite, escreveu este artigo para o alivetaste.com integrando a rúbrica de “Protagonistas”
por Mário Rodrigues
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