Em França, recordo que durante os primeiros dias de aulas, tirando a parte de pouco ter percebido, chegava a casa com duas palavras escritas para estudar!

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Carlos Raposo, enólogo na Niepoort (vinhos) S.A é natural de Viseu. Desde cedo que o seu interesse pela natureza era grande. Durante parte da sua infância acompanhou o pai nos trabalhos de uma quinta familiar de produção animal, que o forçou, aos 16 anos, a visitar a escola de viticultura e enologia da Bairrada. Como é normal, naquela idade o vinho não era de longe a sua bebida de eleição, contudo, depois do primeiro ano, não teve a mínima dúvida que o vinho iria fazer parte da sua vida…

Qual o seu percurso profissional?
Comecei aos 16 anos na Escola Vitivinícola da Bairrada. Durante esse período escolar estagiei na quinta dos carvalhais (Sogrape), no segundo ano na Casa de Santar e no último ano na quinta da Cal (Centro de estudos do Dão). Durante as férias trabalhei também com a quinta do Cerrado (Dão) e com a empresa Vines & wines também do Dão.

Durante estes 3 anos, conheci um professor que disse com um ar convicto e sabedor, “o melhor sítio para aprender enologia e viticultura é em Bordéus”, nesse momento os meus olhos brilharam como um miúdo! Mas não passava de um sonho imaturo e certamente impossível… No terceiro e último ano amadureci a ideia e com ajuda familiar candidatei-me, então, para um Bac (Bacharelato) de viticultura e enologia na região de Bordéus em Blanquefort. De referir que não foi tarefa fácil pois não era comum naquela altura um aluno querer ir para França, foi uma carga de trabalhos para a escola… o acerto de equivalências, tudo em francês… enfim, uma grande complicação. Depois da resolução de todos os problemas burocráticos, arranquei para Bordéus na companhia dos meus pais, com uma pré-inscrição na mão. Quando chegámos e depois da inscrição feita, já só havia um caminho a seguir… os meus pais pagaram-me um hotel perto da escola com duração de 15 dias, deixaram-me algum dinheiro e despediram-se, regressando a Portugal.

Ora sem saber falar nem escrever, foi uma grande aventura… Foi simplesmente sair da zona de conforto e começar a “grande aventura”.

Recordo que durante os primeiros dias de aulas, tirando a parte de pouco ter percebido, chegava a casa com duas palavras escritas para estudar!

Depois de concluir os 3 primeiros anos do Bacharelato em Blanquefort, candidatei-me para fazer a única Licenciatura em França focada só em viticultura na universidade de Borgonha em Dijon. Para finalizar os meus estudos fiz o Mestrado de Enologia na Faculdade de Bordéus, designada de DNO.

Durante este período, que foi de 6 anos, trabalhei durante as vindimas e não só no Château Smith Haut Lafitte, Château Malescot St. Exupery Margaux, na Quinta Sardónia e Dominio de Pingus em Ribeira Del Duero (Espanha).

Depois da conclusão dos meus estudos trabalhei, já como enólogo, numa Quinta em Napa Valley (California) chamada Robert Craig winery e na Austrália na região de Victoria perto de Melbourne numa empresa chamada Stuart Wines Co Pty.

Depois destas viagens, no dia seguinte ao meu regresso conheci o Mestre Dirk Niepoort…

Quais foram os seus maiores desafios?
Acho que a minha vida tem sido repleta de desafios, mas posso destacar 2:

1º – Como referi na resposta anterior, foi um grande desafio a minha ida para França, penso que nessa altura o facto de ser muito novo (19 anos) e inconsciente ajudou bastante…

2º – A Vindima de 2013 na quinta de Nápoles com o Dirk, a pressão e responsabilidade de fazer igual ou melhor que os anos precedentes, com pouco direito a falhas, gostei muito.

O que acha mais relevante na evolução do Mercado dos vinhos?
Acho relevante a acentuada melhoria nos últimos anos dos produtores de vinho em termos de qualidade, acompanhado pelo esforço diário de divulgação dos nossos vinhos que já se sente nas exportações.

O que pensa do serviço de vinhos nos restaurantes?
Sente-se uma evolução na restauração na preocupação do serviço de vinhos, penso que o cliente está cada vez mais exigente e conhecedor do que quer.Há ainda bastante trabalho a fazer, mas estamos no bom caminho…

O que acha da penetração dos vinhos Portugueses no Mercado mundial?
Acredito que naturalmente, Portugal estará posicionado para ser considerado dentro de poucos anos o cantinho da Europa onde se fazem vinhos singulares, com características únicas de cada região, mas sempre com as nossas castas autóctones.

Qual foi o melhor vinho que teve oportunidade de provar?
Referir um seria muito pouco, mas destaco 3:

1º – A minha “pseudo” entrevista de trabalho com o Dirk em 2011, foi uma grande experiencia que tive. No jantar o Dirk deu-me 4 vinhos às cegas para eu provar e comentar… todos grandes vinhos da Borgonha, Chambolle-Musigny, Vosne Romanée, Corton-Charlemagne, entre estes o vinho mítico Romanée Conti 1986.

2º – Uma grande viagem ao passado com um vinho do Porto de 1780 e um Porto VV da Niepoort.

Qual a experiência em restaurante que melhor o impressionou?
Um jantar no Restaurant Anaël em Bordéus, mas acredito que a companhia também colaborou para um momento único.