Lembro aqui, não uma história, mas a estória de uma pessoa, a Dona Maria…
São muitas as histórias e estórias que se passam dentro das quatro paredes das cozinhas por onde tenho passado e, quem faz o que eu faço, sabe bem do que falo. Umas são alegres e divertidas, outras são bem menos agradáveis, muito devido ao stress criado numa cozinha que almeja, não perfeição, mas rigor…
Lembro aqui, não uma história, mas a estória de uma pessoa, a Dona Maria…
Quando fui trabalhar para um restaurante, aceitando o desafio de quem precisava de um chefe, completando a minha necessidade de preencher a vaga, falaram-me de uma senhora de idade avançada que fazia parte da equipa, de um trato difícil, mesmo impossível, tendo sistematicamente sido responsável pela desistência de vários empregados e de outros chefes que por lá passaram…
Fiquei a conhecer a Dona Maria e as razões da sua amargura…fez saber de imediato, que anos idos foi ela quem construiu o edifício onde nos encontrávamos, que, em situação de falência causada pela ganância e desonestidade de um sócio e de um empreiteiro, se viu obrigada a vender, tendo, no entanto, sido contratada como cozinheira pelos atuais proprietários. Como se isso não bastasse, a sua vida pessoal sem segredos guardados, tinha sido reduzida a uma tristeza profunda…
Mulher de mão apurada e talento incontornável foi o meu braço direito durante três anos da minha passagem por ali. A equipa não mudou nunca, pois fiz questão disso. Ao entender a vida desta senhora, consegui compreendê-la, sem, obviamente nunca aceitar o comportamento que me tinha sido relatado, ao contrário, tratando-a com respeito, humildade e admiração. Foi alguém que me ensinou muito da vida e desta nossa profissão vivida neste “barco de piratas” onde vidas se cruzam e só os duros sobrevivem na luta diária de responder ao maior número de comensais possível, com rigor e eficácia, lidando ao mesmo tempo com seres Humanos, cada um com a sua estória, humor e maneira de estar, sendo sem dúvida, a parte mais sensível do trabalho de um chefe de cozinha…a força humana que faz o barco sobreviver a tempestades, mas igualmente navegá-lo em águas calmas e levá-lo a bom porto!
por Pedro Mendes
Redes Sociais