Quando se inova encontra-se sempre resistência
Irreverente e arrojada, Rita Ferreira Marques é natural de Coimbra tem licenciatura de Enologia na Utad e pós-graduação em Enologia e Viticultura no ISA. No fim do seu primeiro ano de faculdade, estava em Coimbra no curso de Engenharia Mecânica e percebeu que não era aquela a sua vocação. Transferiu-se para Vila Real, para Enologia, tendo como objectivo cuidar das vinhas da família e desenvolver marcas próprias para valorizar as suas uvas. Desde 2005 que vinifica os vinhos Conceito e Contraste, numa adega que construíu em Cedovim, no Vale do Douro. Antes estudou e estagiou em Bordéus, com Denis Dubourdieu, e ainda no Douro, Califórnia, África do Sul e Nova Zelândia, com enólogos como Dirk Niepoort, Jorge Borges, Bruce Jack, George Geris, Marketta Formeaux.
Qual foi o seu maior desafio desde que teve início a sua atividade nesta área?
O maior desafio tem sido impor um estilo próprio aos meus vinhos e lidar com as reticências que isso provoca nos poderes estabelecidos na região, em particular a conseguir as aprovações no IVDP. Há mentalidades demasiado formatadas, e quando se inova encontra-se sempre resistência, em nome de uma “tipicidade” que na verdade não existe. O vinho de consumo do Douro ainda está neste momento a encontrar a sua definição.
O que acha deveria ser alterado na postura de alguns dos restaurantes e hotéis relativamente ao serviço de vinhos?
Acima de tudo, penso que é preciso valorizar os novos projectos, não querer sempre ir pelo caminho mais fácil, que é vender as marcas já bem estabelecidas no mercado. Tenho que dizer que apesar de a imagem dos vinhos portugueses no estrangeiro não ser muito forte, tenho muito mais facilidade em vender os meus vinhos no estrangeiro do que em Portugal.
Que história, pelo absurdo e/ou interessante, tem desde que iniciou a sua atividade?
O mais absurdo é ter que passar a vida a responder às mesmas perguntas nas entrevistas, como por exemplo “como é ser uma mulher num mundo de homens?” É óbvio que nem o vinho é um mundo de homens, nem essa pergunta tem qualquer interesse, creio que o que conta é o talento e a competência das pessoas, não o seu género.
Qual o vinho que teve oportunidade de provar que mais a surpreendeu e de que país?
O Château Latour de 1982, por coincidência o ano em que nasci, foi um vinho que para mim representou um “click.” Mais recentemente, provei os vinhos de José Luis Mateo, um amigo meu de Monterrei, em Espanha, e pensei para mim que ficaria feliz quando conseguisse fazer um vinho com tal profundidade e luminosidade.
Qual o restaurante que lhe proporcionou uma experiência inesquecível e porquê?
Tive uma noite inesquecível em Londres, no Bacchus, de Nuno Mendes. Foi já em “after-hours” e ele estava a princípio reticente em atender-nos, depois foi fazendo pratos e pratinhos, incluindo alguns que estavam ainda em fase experimental.
O que acha sobre a evolução dos vinhos Portugueses no mercado mundial?
Tem sido lenta. Acredito que temos que abandonar a atitude de “fazemos os melhores vinhos do mundo” e provar muito mais. Há um caminho a percorrer e de certa forma perdemos já o factor “novidade,” ou “coqueluche.” Os nossos competidores não andaram a dormir e melhoraram muito, se não em qualidade, em notoriedade e vendas. Penso que os nossos vinhos têm méritos, e temos que os saber explorar para conseguir aumentar a visibilidade, sem perder a identidade. Tem que haver uma frente mais unida dos produtores que conseguem exportar, de forma a o vinho português se conseguir afirmar como um movimento, não apenas um conjunto de produtores dispersos que esporadicamente têm sucesso.
Como surgiu o desafio de produzir também vinhos na Nova Zelândia?
Como tantos jovens enólogos fiz lá um estágio de vindima e apaixonei-me pelo país, pelas uvas e pelos vinhos. Regressei mais tarde com intenção de fazer o meu próprio vinho, aplicando ao Novo Mundo conceitos do Velho Mundo enológico. Acredito que o meu vinho é um vinho diferente do mainstream neozelandês, e as provas em que tenho participado têm-no mostrado bem. Em particular, os meus vinhos da Nova Zelândia mostram contenção, meio de boca, e envelhecem muito bem, tudo características pouco usuais entre os brancos neozelandeses.
Ver artigo saído dia 5/01/2015 sobre a enóloga Rita Marques
por Mário Rodrigues
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