Um dos tipos de pesca mais antigos do Algarve continua a persistir no areal da Meia-Praia por um dos únicos mestres da arte xávega que ainda tem licença, em Lagos – José Glória, mais conhecido por Mestre Zé Bala

A xávega é uma pesca artesanal feita por arrasto a partir da praia, efectuada a braço de homem, com recurso a junta de bois, ou, mais recentemente, por tractores. Por aqui, a arte ainda continua praticamente como há mais de 100 anos, contando com a força braçal de, no mínimo 16 pessoas para puxar as “calas” (cabos que servem para puxar as redes).  

Hoje em dia, utiliza-se um barco com motor fora de bordo comandado pelo Mestre e mais dois homens, mas noutros tempos fazia-se uso do “calão” (embarcação de influência mediterrânica com cornicho revirado para cima, na parte superior) que era empurrado para dentro de água e navegado, a remos, contra as ondas para a apanha do peixe. Não obstante, é ainda de forma rudimentar “que se faz deslizar o barco por travessões de madeira até à água, com o auxílio de uma corda amarrada à proa do barco”, fala Zé Américo, ajudante do Mestre.

A ponta da “cala” fica na praia e, do barco José Fernando, vão-se lançando as redes ao mar para cercar os cardumes de peixe. Cada lado da “cala” conta com cerca de 600 metros, podendo chegar aos 3 quilómetros de comprimento.

Chegada a embarcação a terra, é a hora de dividir as pessoas pelas duas “calas” e sincronizá-las para puxarem as redes de forma a que o peixe não escape do saco. Para isso, todos os que estão a ajudar na praia prendem, aos cabos da rede, uma espécie de cinto de cabo grosso que têm à tiracolo e, a comando do mestre que está no barco, vão recuando e puxando a arte para ir fechando a boca do saco.  

Com todos os artefactos em terra, está na hora de escolher e dividir o peixe, atividade efetuada, normalmente, por Zé Américo, da Praia da Luz. Todos os que participam recebem peixe. Aliás, muitos deles já levam o seu próprio balde para trazerem pescado. De todos os que se juntam, alguns até são turistas que estão a passear na praia e a curiosidade leva-os a fazerem parte da experiência também: “isto é um convívio entre todos”, menciona Zé Américo.

O evento é acompanhado pelas inúmeras gaivotas que se amontoam no areal e tentam apanhar algum petisco das redes – é digno de fotografia!

Esta arte persiste, na nossa terra, pela teimosia de Zé Bala que aprendeu o ofício com as gentes da Meia Praia e não deixa que a sua licença, comprada na Salema há 38 anos, caduque pela actual burocracia existente: “Para manter essa licença, todos os anos ele tem de vender peixe na lota, durante alguns dias”, menciona a Presidente Joaquina Matos1.

Nos meses estivais de Julho e Agosto, o barco inicia o seu trajecto pelas seis da manhã e, de acordo com a maré e o estado do mar, nunca termina em menos de uma hora e meia. Já nos restantes meses, “depende do tempo e da vontade do empresário.”2

Esta actividade, com cerca de 3 mil anos (segundo o investigador Henrique Souto), constituía uma forma de sobrevivência das famílias locais – noutros tempos participavam mulheres, crianças, desempregados e camponeses neste ofício. A tradição da arte xávega tem, por isso, uma imensa relevância histórica e socioeconómica que, segundo o Mar d’Estórias, deveria ser candidata a Património Cultural da Humanidade.

Aliás, a pensar na sua importância, foi aprovada uma proposta em Assembleia Municipal para que a Câmara de Lagos procedesse às diligências necessárias para a integração desta arte de pesca artesanal no inventário nacional do Património Cultural Imaterial.

 1 Entrevista ao Sul Informação, em 2014.
2 Palavras de José Garrancho, no artigo do Jornal Barlavento, 2011.

Artigo com o apoio do Mar d’Estorias

O Mar d’Estórias visa ser um espaço inovador de valorização de tudo o que é Português, com especial ênfase para o Algarve. Este espaço pretende proporcionar a passagem equilibrada entre as diferentes secções de loja, restaurante e espaço-casa, que culminam num bar-terraço a céu aberto e com vista sobre o mar.

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