Chef Hélio Loureiro, um dos membros do painel da mesa do evento realizado no Astória, dá a sua opinião sobre a iniciativa “Harmonização a copo”

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Um dia estando na cidade do Cabo, os pianistas Luis Magalhães e sua mulher Nina Shumman, convidaram-me para um almoço num restaurante com uma paisagem única, que guardarei para sempre na memória. Per si, aquela baía bastaria como recordação.

Os anfitriões, cujo profissionalismo é reconhecido mundialmente, são pessoas muitíssimo respeitadas na Africa do Sul, onde são facilmente reconhecidas. Epicuristas, como todos os grandes artistas, recordo Rossini entre muitos, escolheram aquele local não pela paisagem, mas pelo facto de que cada iguaria era acompanhado com um vinho seleccionado pelo chefe.

Começou o desfile com quatro pratos acolitados de quatro pichés (pequenos jarros de vidro) que davam pouco mais que um copo de vinho para cada prato.

Um sinfonia perfeita onde cada nota tocada em harmonia e de acordo com a partitura estava perfeitamente afinada, como em todas as peças, um fio condutor, umas pequenas notas interligavam cada sequência pantagruélica.

Os vinhos sul africanos eram de excelência, não tinham rótulos, e eram apresentados apenas pelas castas. No final seriam reveladas as marcas, mas não consegui resistir a um branco, soberbo que se distinga dos outros quatro que já tinha provado, reconhecia-o. Pedi muito que me trouxessem a garrafa …um Duas Quintas onde o viosinho era relevante !

Esta estória pessoal que teve imensa graça para nós os três e que fez de mim um expert em vinhos aos olhos dos meus amigos, nada mais foi que o reconhecimento do que são as nossas raízes. Todos nós reconhecemos com facilidade os sabores da infância, os aromas que nos conduziram pela vida.

Este trabalho que Mario Rodrigues desenvolve agora, é pois uma elevação dos vinhos, uma amostra que cada vinho deve ser uma continuidade do prato escolhido, ou então o prato escolhido deve supor a escolha do vinho. Assim sendo, uma garrafa de vinho não pode acompanhar desde a entrada ao prato principal e também não existe lógica duas pessoas pedirem duas ou três garrafas de vinho para uma refeição… o vinho a copo é pois a melhor forma de podermos degustar e de cada um poder, à sua maneira e dentro dos seus critérios, seleccionar o seu vinho , compondo a sua refeição.

Menciono duas pessoas ou mais pois nada mais triste que a solidão da mesa … Lucius, senador romano, quando tinha que comer sozinho, enviava um convite para ele próprio dizendo “ Lucius convida Lucius a jantar em sua casa esta noite “ … uma garrafa para cada iguaria seria demais, um copo para cada será sempre o ideal.

Daí que este projecto se torna importante não só para a divulgação dos vinhos portugueses mas sobretudo para a pedagogia vínica que cada vez mais é preciso implementar acabando com os clichés.

Hélio Loureiro chef de cozinha (texto de acordo com antiga ortografia)