Despertou para o mundo do vinho quando ainda adolescente provou um Barca Velha de 1954, o primeiro vinho velho que provou e que o fez questionar e querer saber mais sobre vinhos.

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Raul Riba D’Ave, natural de Riba D’Ave, V. N. Famalicão, despertou para o mundo do vinho quando ainda adolescente.

Em casa do seu tio Manel (filho do Sr. Fernando Guedes, fundador da Sogrape), provaram um Barca Velha de 1954 (da garrafeira do seu bisavô Riba d’Ave) e que a tia tinha herdado. Foi o primeiro vinho velho que provou e que o fez questionar e querer saber mais sobre vinhos.

Qual o seu percurso profissional?
Da informática passei para o vinho, numa decisão radical, quando decidi ir viver para a Argentina. Apesar da minha família ser produtora de vinho de Carcavelos, foi na Argentia que comecei a trabalhar no setor. Primeiro a ajudar o importador da Graham’s e depois na Finca Flichman (propriedade da Sogrape), como gestor de marcas.

Quando regressei a Portugal, fui contratado pela APCOR (Ass. Portuguesa de Cortiça) para trabalhar num projeto internacional de promoção da rolha de cortiça em 10 mercados chave (um deles era a Argentina). Fazia a ligação entre o setor da cortiça e o setor do vinho. Foi um projeto interessantíssimo e onde aprendi muito. Deixei como legado um manual técnico para ajudar na compra e utilização de rolhas de cortiça, o qual foi compilado com ajuda de vários técnicos do setor.

Quando terminou o projeto, tive a oportunidade da minha vida. Fui trabalhar para o setor do vinho do Porto, que eu adorava. Não podia ter sido melhor, pois fiquei 5 anos numa casa de referência: a Taylor’s. Fiquei responsável pelo mercado nacional e depois também por Espanha. Foi o melhor trabalho que alguma vez realizei. Não seria o que sou sem ter tido a oportunidade na Taylor’s.

Mas, como sempre fui empreendedor, decidi no final de 2008 sair para participar numa sociedade de distribuição, a qual tinha sido recentemente criada pelos meus amigos Roquette (Quinta do Crasto). No início foi difícil, pois só tínhamos um produto no Portfolio (Xisto-Roquette & Cazes), mas depois a gama foi-se alargando e a empresa especializando-se cada vez mais, passando a ser uma referência em Portugal no que diz respeito a vinhos estrangeiros e à formação sobre vinhos, algo que sempre me cativou e onde sempre investi muito. Com o passar dos tempos fui adquirindo mais quota na empresa e chegou também a altura em que decidi fazer o meu próprio vinho, o Sílica.

Quais foram os seus maiores desafios?
O meu maior desafio foi fazer o exame para Master of Wine e ter que voltar a fazê-lo seguramente mais umas quantas vezes até conseguir passar, pois é algo de muito exigente e complicado e o normal é só conseguir passar à quarta ou quinta tentativa.

O que acha mais relevante na evolução do Mercado dos vinhos nos últimos anos?
Uma tendência crescente dos brancos na restauração. É que hoje existem brancos excelentes e, para além disso, beber um branco dá a sensação de se estar a beber um vinho que é mais leve, algo que o consumidor cada vez procura mais. Outro dado interessante é o crescente interesse pelos espumantes. Deixou de ser uma bebida para beber apenas em momentos festivos. E, por último, um consumidor que é cada vez mais exigente e cada vez mais formado, o que acaba por aumentar a fasquia: consome-se menos, mas melhor.

O que acha do serviço de vinho nos restaurantes?
Melhorou substancialmente nos últimos 10 anos. Não me esqueço que quando cheguei à Taylor’s e comecei a visitar o mercado, não conseguia encontrar um só restaurante que servisse o vinho do porto refrescado. Estava sempre quente e, claro, estragava a experiência.

O que pensa do serviço de vinho a copo?
É uma ótima ideia. No entanto, para se fazer este serviço corretamente, são precisas duas coisas: formação e equipamento. Os melhores equipamentos são caros e, para operarem corretamente precisam de ser manuseados adequadamente. Para isso é preciso formação. A formação exige disponibilidade de quem a recebe e, na maior parte dos casos, essa disponibilidade nem sempre existe na restauração. Esta falta de disponibilidade está muitas vezes relacionada com a alta rotação dos quadros no setor da hotelaria.

O que acha dos conselhos de harmonizações como parte integrante do serviço de vinhos nos restaurantes?
Há ainda muito para fazer. São poucas as cartas com sugestões de consumo (prato com 2 ou 3 vinhos para o cliente escolher). Por outro lado, a ciência da harmonização vinho-comida, por ser muito subjetiva (o que eu gosto, outra pessoa pode não gostar), tende a se focar nos conceitos clássicos (peixe com branco, tinto com carne), menos arriscados. No entanto, dominando corretamente os conceitos sobre a harmonização vinho-comida, pode-se realmente surpreender o cliente e contribuir para uma melhor experiência enogastronómica. Aconselho vivamente a que as pessoas do setor dediquem algum do seu tempo a formação nesta área.

Qual a experiência em restaurante que melhor o impressionou?
Eu gosto muita da restauração clássica francesa. Os grandes restaurantes têm sempre um ambiente, uma comida e um serviço impecáveis. Também gostei muito da minha experiência no El Bulli. No entanto, as minhas melhores experiências foram sempre no Brasil, mais concretamente em São Paulo. Todos os grandes restaurantes de São Paulo são incríveis em tudo. É impressionante como conseguem ser bons na comida no serviço, nos vinhos e no ambiente. Mas, a minha experiência mais surreal e mais memorável foi, ainda adolescente, no restaurante “le Pirate”, em Menton, sul de França,  junto da fronteira com Itália. Quem já lá foi sabe do que estou a falar…

Qual foi o vinho que provou que mais o sensibilizou?
Montrachet 1929, Maison Calvet (Montrachet, Borgonha, França). Por duas razões. A primeira porque é um vinho branco raríssimo (provém da melhor vinha de brancos da Côte d’Or, na Borgonha, o qual possivelmente não terá sido provado por mais de um punhado de pessoas no mundo que ainda estão vivas (6 delas são minhas amigas). A segunda porque chegou a mim passando por 3 gerações, uma guerra civil, uma guerra mundial e várias revoluções. Da caixa de 12, apenas sobrou esta garrafa e uma outra que, infelizmente, estava oxidada.

Qual a sua opinião sobre a evolução do mercado no que concerne à produção, distribuição e consumo?
Há novos países que estão, felizmente, a contribuir para o aumento do consumo, o que tem compensado a diminuição verificada ao longo dos anos em países mais tradicionais, como França, Itália, Portugal e Argentina. A produção vai acompanhar este aumento de consumo.

Na parte do comércio, infelizmente, vai continuar o domínio das grandes superfícies, as quais, hoje em dia, vendem uns 75 a 80% do vinho produzido no mundo. Isto reduz imenso o acesso às marcas novas ou diferenciadoras e tende a uniformizar os vinhos. No entanto, existem duas coisas que podem modificar esta tendência: o comércio online e a formação especializada. O comércio online é mais independente e pode oferecer produtos diferentes. Por outro lado, a formação educa o consumidor, tornando-o mais exigente e aventureiro.

O que acha da evolução da penetração dos vinhos Portugueses no Mercado mundial?
Pode parecer ridículo, mas é ainda insípida. Portugal produz 2% de todo o vinho no mundo (incluindo o vinho do Porto), pelo que, por melhores vinhos que façamos, temos ainda muito pouca notoriedade. Acho que, no entanto, o futuro poderá mostrar-se risonho, especialmente para os vinhos verdes DOC, um produto com muito carácter e que acompanha a tendência dos mercados (vinhos leves, menos álcool, fáceis de beber, económicos e também com tradição secular).

Qual a história que mais o marcou desde que trabalha nesta área?
Acho que ainda está para a vir, essa história….mas não me posso esquecer de quando obtive o Diploma do WSET (Wine and Spirit Education Trust), em 2010, juntamente com o meu amigo Manuel Lima, fazendo de nós os primeiros portugueses a obter este certificado. Mas, a grande história vai ser mesmo quando conseguir passar os exames para MW (Master of Wine)….

por Mário Rodrigues